A culpa é de Voltaire
(2000)
Paris, 1999. Jallel é um imigrante ilegal tunisiano que vai para Paris tentar faturar uma grana e ajudar a família em casa. Instruído por outros imigrantes magrebinos como ele, Jallel preenche uma requisição de asilo político como argelino, e justifica a sua escolha pela França com base em princípios iluministas. Os amigos acreditam que os franceses seriam suscetíveis ao sentimento de culpa pela repressão à revolução argelina (1959-61) e, simultaneamente, ficariam envaidecidos pelo elogio à pátria dos direitos humanos, daí o título.
O funcionário da imigração claramente não acredita em Jallel, mas segue a legislação e a política em vigor, e concede um visto provisório de trabalho para o tunisiano por três meses. Jallel sobrevive como camelô de abacates e flores, trabalhando irregularmente nas estações de metrô e pelas ruas de Paris. Preocupado com a renovação deste visto, Jallel tenta se casar com uma francesa filha de tunisianos (Nassira) e mantém laços de amizade com outros imigrantes e subempregados como ele. Mais adiante, uma jovem com transtornos mentais (Lucie) se aproximará dele.
É o terceiro filme que assisto com o ator francês Sami Bouajilla, de quem já vi dois ótimos trabalhos dirigidos pelo argelino Rachid Bouchareb: Destinos Cruzados (2009) e Fora da Lei (2010). O tema do imigrante não é tratado como mera questão política, mas abordado no contexto das relações que se estabelecem entre as pessoas e a brutalidade das rupturas. Os imigrantes não são santos e nem fundamentalistas. Usam as brechas do falho sistema de controle de imigração francês para poder se estabelecer. Somos levados a nos sensibilizar por pessoas que têm que tentar se virar com empregos muito ruins, e ainda assim se agarram a eles porque no seu país de origem a situação é pior.
Muito interessante também a abordagem da cidade de Paris, pelo quotidiano das áreas menos nobres ou turísticas. Em um diálogo sintomático, um amigo de Jallel diz que quer voltar para sua Brest natal (na Bretanha) cansado do clima de Paris (como se lá fosse diferente) e da indiferença das parisienses para com ele. Jallel, por sua vez, defende a cidade, por achá-la bonita, cheia de novidades e de pessoas diferentes. Há uma outra cena em que Jallel tem uma pequena dificuldade em mover a maçaneta do vagão de metrô, e é assim mesmo que acontece com quem a utiliza pela primeira vez, rs...
É o primeiro filme do tunisiano Abdellatif Kechiche (n.1960), premiado por A vênus negra (2010). Vou procurar pelos seus filmes posteriores.
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